Tiro no Escuro — Para quem quer ter medo de Virginia Woolf

Luciano Machado Tomaz
3 min readFeb 2, 2024

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I am made and remade continually. Different people draw different words from me.
Virginia Woolf, The Waves.

O Porto Verão Alegre continua e com ele continuamos à procura de boas peças. É um defeito, ou talvez uma virtude, dos adoradores Melpômene esse vagar por diferentes espaços, semana após semana, em busca do espetáculo que nos arrebatará a alma, que nos há de provar que o teatro é uma louca paixão que vale a pena. Uma tal peregrinação tem seus grandes momentos, como na peça que vimos na semana passada, e suas decepções. Estas, quando acontecem, abalam a nossa fé, sussurando-nos ao ouvido que talvez as musas tenham abandonado de vez estas searas.

Foi este o caso da peça que vimos hoje. Trata-se de Hallucination: Vida e Obra de Virginia Woolf. Estávamos entusiasmados, afinal, quem pode não gostar daquela que foi talvez a maior prosadora britânica do último século, o gênio literário por trás de Orlando e Mrs. Dalloway. Lembramo-nos, é claro do excelente The Hours e nos enchemos de boa vontade para assistir a peça. O leitor pode imaginar com que ansiedade aguardamos o início do espetáculo no pequeno e simpático teatro da “Casa de Espetáculos”. Contudo, nada nos poderia preparar para o que iríamos assistir. Hallucination nos prometia um mergulho nas profundezas do universo feminino de Virginia Woolf, explorando a complexidade de sua vida e obra. A expectativa, contudo, logo se desfez diante de uma abordagem pueril e desarticulada, revelando um abismo entre a pretensão da dramaturgia e uma realização tétrica. O mergulho profundo que vislumbrávamos se mostrou raso. Esperávamos um mergulho no Oceano, mergulhamos num pires (ou melhor, numa bacia).

Deixemos de lado a pretensão didática de certos momentos (inserir explicações sobre o fluxo de consciência na escrita de Woolf, por exemplo, pareceu mais uma tentativa de preencher lacunas do que qualquer outra coisa), algo completamente desnecessário, além da forçada interação com o público e do caráter quase estudantil da montagem.

Foi boa a ideia de ter no palco Virginia Woolf e Vanessa Bell, quase simbióticas como as personagens de Persona do Bergman. Mas o texto não explorou bem essa possibilidade, e a ideia ficou sendo uma bela ideia que poderia ter sido e que não foi. A água, elemento onipresente no palco, fisicamente e nas projeções, lembrando-nos da morte da escritora, uma morte de Ofélia, shakespeariana, foi um outro elemento positivo, porém demasiado óbvio. No fim das contas, fomos apresentados a uma Woolf rasa, fraca, sem vivacidade e, principalmente, sem a pujança intelectual que lhe era peculiar.

Saímos do teatro com vontade de enchermos os bolsos de pedras para empreender um mergulho sem volta no Guaíba. Não porque o drama nos tenha jogado no mais fundo da depressão, o que, ademais, teria sido um mérito. Não, saímos em tal estado de espírito porque não vimos nada ali que pudéssemos querer carregar para o túmulo como mais uma peça no mosaico de nossas memórias acerca da vida e da obra da grande Virginia Woolf.

Infelizmente, foi leve e banal. Uma peça para quem quer ter medo de Virginia Woolf.

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Luciano Machado Tomaz

Deixando rugir o caos atônito… autor do livro "O Palco Iluminado" (2022): https://a.co/d/doGBPnZ